terça-feira, 30 de setembro de 2014

FIGHT! (1º CAPÍTULO DE MINHA NOVELA JUVENIL "UM JARDIM DE MARAVILHAS E PESADELOS")


Leiam a segunda versão do primeiro capítulo de uma novela juvenil que estou escrevendo, a convite da autora Rita Maria Félix e baseada em um conto seu. Conheçam Lottar Gan Amon, um menino negro de nove anos, filho de uma feiticeira e de um devorador de almas. Lottar vive num país onde ciência e magia convivem numa relação tensa. Num período de guerra, com seu pai desaparecido no front, nosso protagonista tenta sobreviver com a mãe a tempos difíceis. Ele acaba descobrindo que o jardim mágico de sua família pode guardar a chave de um poderoso segredo.

Capítulo 1 - Olhos brancos

O local era uma clareira na mata, atrás da escola, à beira do rio. Um número razoável de colegas estava presente. Todos se atrasariam para o almoço.

O adversário da vez se chamava Mok. 

"Vou quebrar todos os seus ossos", disse ele.

"E eu vou te transformar num monte de pedrinhas para jogar no rio. Vou praticar bastante meus arremessos para quicar na água", disse Lottar.

Mok apertou o rosto, enfurecido.

Lottar mantinha-se firme. Mas, no fundo, estava morrendo de medo. Afinal, Mok era um filho de gárgula. Ele era feito de pedra, tinha uma cabeça de dragão e asas de morcego, ainda curtas. E o pior, quando Mok ficava de pé, tinha o dobro do seu tamanho.

De repente, Mok mudou sua expressão tensa. Agora ele sorria, cheio de malícia.

"Você é um covarde. Assim como seu pai, aquele traidor."

"Ninguém chama meu pai de traidor!"

Esse era o ponto fraco de Lottar. O motivo das brigas na escola e na rua.

Lottar era um menino negro de nove anos.

Ele vivia repetindo para si mesmo. Não sou um valentão, não sou um valentão, não sou um valentão. Mas não adiantava muito. Era só ele ser provocado, que aceitava o desafio. Quando sua reação era mais explosiva, tentava resolver o problema na hora do recreio, em algum canto isolado da escola. Corria o risco de a disputa ser flagrada por um funcionário ou mesmo um professor. Como já acontecera antes. Então, ele e seu desafeto acabavam indo para a diretoria, e cada um recebia um pergaminho azul, advertências mágicas que apenas as mãos de um responsável conseguiriam abrir. Caso não fossem entregues a estes no prazo de vinte e quatro horas, os pergaminhos desapareceriam no ar, para reaparecerem na mesa do diretor. Cinco destas advertências durante o ano letivo resultavam em expulsão.

Mais da metade do ano tinha se passado e Lottar já somava três pergaminhos em sua conta. Não queria um quarto. Por isso, a briga daquele dia aconteceria fora da escola, depois da aula.

***

Era o início de uma tarde de segunda-feira abafada, calorenta.

Lottar contava com o fato de ser neto de feiticeira, e filho de feiticeira, que agora também era uma vampira.

Além de sua agilidade, punhos, braços e pernas, ele usava certos truques mágicos, ensinados pela mãe, para atacar e defender-se. Era o máximo que ela fazia. Para segurança dele e de outros. Lottar ainda não tinha idade para aprender encantos mais poderosos. E também era uma maneira de evitar mais problemas. Na verdade, só o fato de Kaline praticar magia já era um grande problema. Como agora era uma vampira, ela estaria proibida por lei de praticar coisas de feiticeira. Mas Lottar era a única pessoa que sabia de sua nova condição. Ela o fizera prometer que aquele seria o maior segredo dos dois, entre mãe e filho. Ela não foi explícita sobre as terríveis consequências do crime. Não havia outra palavra para classificar a situação, Kaline tinha consciência disso. Porém Lottar logo entendeu que ele podia ser afastado da mãe e deixar a casa onde morava para sempre. Ele nunca permitiria que essa catástrofe acontecesse. A avó de Lottar tinha falecido havia alguns anos. Fora os pais, ele não tinha mais ninguém no mundo.

Os truques mágicos que Lottar sabia eram de relativo poder. Feitiços monossilábicos. E estavam ficando manjados. O adversário da briga seguinte conhecia os truques anteriores, conseguindo assim anulá-los ou escapar deles. A cada nova briga, Lottar tinha que ter um outro truque escondido na manga. Estava ficando cansado disso. E sua mãe irritada. "Ok, ok. Vou te ensinar mais um. Não quero ver filho meu apanhando por aí. Já basta tudo que passamos", ela não cansava de dizer.  

O truque de paralisar alguém era algo novo.

Lottar usou primeiro sua agilidade para cansar Mok. Punhos, braços e pernas estavam fora de questão. Lottar não ia bater, agarrar ou chutar em pedra. A única arma de Mok era seu tamanho, sua força. Lottar precisava apenas ficar fora de seu alcance até o momento certo. Usar o truque mágico quando a pessoa estava cansada, confusa, ou enfraquecida, prolongava seu efeito.

De repente, Mok tentou abraçá-lo.

Lottar fugiu.

Mok quase agarrou sua canela.

Lottar rolou na grama, sujando-se.

Mok não aguentou o peso do próprio corpo e caiu, apoiando-se com as mãos e os joelhos no chão.

Ele ficou numa posição ridícula.

Alguns riram.

Quando se levantou, furioso, Mok ficou meio desorientado.

Lottar já estava de pé, pronto. Só esperava por aquele contato visual.

Ele balançou as mãos para frente, apontando para Mok, e com a pronúncia que mais achava correta gritou: "Fic!"

Nenhuma faísca, luz ou raio de qualquer cor foi notado.

Mas todos logo perceberam que o feitiço tinha dado certo.

Mok apenas disse "Putz" e caiu duro na grama, de costas.

Na queda, sofreu rachaduras no corpo e quebrou a ponta da asa.

Muitos ficaram chocados.

Inclusive Lottar. Os pais de Mok gastariam uma boa grana num feitiço que consertasse tudinho, pensou ele.

"Eu desisto! Eu desisto!", gritou Mok.

Ele estava estirado no chão, de barriga para cima, imóvel. Apenas conseguia mexer a boca. Sentia dor, mas gárgulas não conseguiam chorar.

Lottar estava fora do seu campo visual.

Respirava pesadamente. O peito subia e descia. O braço tinha alguns arranhões, mas nada grave. Não escorria sangue.

A plateia de meninas e meninos, ou seja, seres de todo tipo, estava parte satisfeita, parte decepcionada, parte apreensiva.

O olhar de Lottar era assustador.

"Quero ir para casa! Quero ir para casa!", continuou Mok.

Lottar poderia liberá-lo. Provavelmente, aquele ali não ia incomodar mais. Acontecera isso com cada um de seus desafiantes. Até agora ninguém tivera a ideia de atacá-lo em grupo. Ainda bem que não, pensou ele, certa vez. Com toda essa história de seu pai, dos boatos, só lhe sobrou dois amigos de verdade. Dora, uma goblin, era uma colega de turma. Berto, um curupira, era um vizinho. Eles se ofereceram para ajudar no que pudessem. Mas Lottar não queria envolver os amigos. Prejudicá-los ainda mais. Lottar até percebia alguma simpatia no rosto de outros colegas, de outros meninos de sua rua, mas ninguém se aproximava dele. 

"Meu pai vai acabar com você! Vai sim!", gritou Mok.

Lottar mordeu as mandíbulas e fungou. O coração estava acelerado. Ele olhava para o vazio.

Alguns na plateia seguraram a respiração.

Não tem jeito, pensou Lottar. Vou ter que fazer de novo.

Ele fechou os olhos e procurou acalmar-se. Assim como o pai lhe ensinara.

"O segredo é controlar as batidas do coração", dizia Victor, nas primeiras tentativas de Lottar. "E para isso, você tem que imaginar não como o mundo é, mas como deveria ser."

Victor o havia treinado, um treinamento ainda incompleto, oferecendo-se como cobaia. Apesar da pouca idade de Lottar, o pai achava que, quanto mais cedo o filho lidasse com seu dom, menos doloroso seria suportá-lo.   

Desta vez, veio à mente de Lottar a imagem dele, do pai e da mãe juntos, na praia, num domingo ensolarado, de muito vento. Não havia guerra contra a Câmbria. Sua mãe não se tornara uma vampira. Até sua avó ainda estava entre eles. Ela apareceria de surpresa, carregando uma cesta de sanduíches de atum com azeitonas, seus preferidos. Sua avó os preparava com um toque especial e secreto. Talvez ali tivesse um pouco de magia. Eram gostosos demais.

O coração de Lottar estava respondendo. Diminuindo o ritmo. Voltando ao normal.

Lottar sentiu que estava pronto. Respirou fundo. Gemeu baixinho.

Alguém até poderia pensar que ele estava passando mal, que precisava ir ao banheiro. Mas não era nada disso. Parte da plateia sabia. Alguns já viram aquilo acontecer antes.

Lottar abriu os olhos. Suas pupilas escuras tinham sumido. Havia apenas o branco leitoso.

Uma menina soltou um gritinho de pavor.

Mok continuava deitado e imóvel, todo dolorido. Sem ter visto nada.

Lottar estava próximo aos pés dele. Começou a andar sem vacilos. A ausência das pupilas não parecia ser um problema.

Deu uma meia volta até chegar ao topo da cabeça de Mok.

Quando Lottar entrou em seu campo visual e o encarou com os olhos totalmente brancos, Mok quis muito fechar os seus. Mas o esforço foi inútil. As pálpebras não obedeceram à sua vontade.

Lottar se agachou. Seu rosto agora estava a poucos centímetros do rosto de Mok. A este só restava dizer: "Se afaste de mim! Se afaste de mim!..." 

"Você nunca mais vai chamar meu pai de traidor", disse Lottar. Sua voz era de criança. Mas a firmeza de suas palavras tinha o tom de alguém mais velho.

Lottar colocou as mãos negras nas laterais da cabeça de dragão. O corpo de pedra estremeceu por inteiro. Estava livre do feitiço, da imobilidade. Mas Mok não teve muita chance de reagir. Ele já estava dominado por outra força.

Encarar os olhos brancos de Lottar o deixava com um baita sono.

As pálpebras cinza de Mok ficaram pesadas. Até fecharem completamente. Mok parecia ter caído num sono profundo.

Então, ele acordou, e veio o susto para quem acompanhava tudo mais de perto. Os olhos de Mok agora estavam iguaizinhos aos de Lottar.

Agora foi Lottar quem fechou os olhos. Depois, tirou as mãos da cabeça de Mok.

Ao abri-los, suas pupilas escuras estavam de volta.

Mas Lottar não parecia se sentir bem. O corpo pendeu para o lado.

Ele colocou a mão no chão para não cair.

Muitos na plateia ficaram em suspense. Até quem não o suportava.

Lottar permaneceu na mesma posição por um tempo. Piscando, procurando enxergar melhor.

Num pulo, ele levantou-se, fez uma careta de dor e saiu correndo. As pernas estavam meio bambas. Por duas vezes, parecia que ele ia tropeçar e se arrebentar no chão. Mas conseguiu se recuperar e ir embora.

Em seguida, alguns meninos e meninas voltaram sua atenção para Mok. O corpo estava imóvel, nem a boca mexia mais. Os olhos estavam totalmente brancos. Todo mundo sabia qual era o problema. Todo mundo sabia onde sua alma foi parar.

domingo, 28 de setembro de 2014

MONSTROS DESESPERADOS



Praise this world, Rilke says, the jerk.
We’d stay up all night. Every angel’s
berserk. Hell, if you slit monkeys
for a living, you’d pray to me, too.
I’m not so forgiving. I’m rubber, you’re glue.
That elk is such a dick. He’s a space tree
making a ski and a little foam chiropractor.
I set the controls, I pioneer
the seeding of the ionosphere.
I translate the Bible into velociraptor.
In front of Best Buy, the Tibetans are released,
but where’s the whale on stilts that we were promised?
I fight the comets, lick the moon,
pave its lonely streets.
The sandhill cranes make brains look easy.
I go by many names: Buju Banton,
Camel Light, the New York Times.
Point being, rickshaws in Scranton.
I have few legs. I sleep on meat.
I’d eat your bra—point being—in a heartbeat.