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terça-feira, 9 de junho de 2015
ATIVIDADES ENCERRADAS
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sexta-feira, 5 de junho de 2015
A CRUELDADE DA NATUREZA
Em
qualquer criação artística, a execução importa mais do que a ideia. Um tema
banal pode resultar numa grande obra. Não que zumbis seja algo banal. Considero um tema perfeito, principalmente,
como metáfora política. O filme clássico de George Romero, A Noite dos Mortos
Vivos (1968), ainda é insuperável nesse sentido.
A
representação dos zumbis mais em voga atualmente é a serie de televisão The
Walking Dead. A série mostra um cenário em que a civilização chegou ao fim após
os mortos começarem a reviver e a devorar os vivos. Então se dá uma luta pela
sobrevivência a qualquer custo. A metáfora aqui é mais moral. Questiona-se a
todo momento o que é certo ou errado dentro de uma visão de ética do antigo
mundo, considerado civilizado.
No
romance de M.R. Carey, na verdade o roteirista de quadrinhos Mike Carey, de
títulos como Lucifer e O Inescrito, os zumbis também se mostram como uma ameaça
ao estilo de vida e a maneira de pensar anteriores.
Numa
Inglaterra devastada, dentro de uma base, um grupo de cientistas, militares e
civis tenta viver com os restos materiais e emocionais do mundo que acabou. E há
os nascidos depois do cataclismo, que apenas conhecem o que havia antes por
meio dessas relíquias. No caso de
Melanie, uma menina de dez anos, os livros. Principalmente sobre mitologia
grega.
Melanie
e outras crianças são mantidas confinadas enquanto são educadas por alguns
professores. Elas são escoltadas para as aulas por soldados que apontam armas
para suas cabeças. As crianças ficam amarradas o tempo todo.
Como
eu disse antes, a execução de uma obra de arte é o que importa. Em A Menina que
Tinha Dons, tudo é executado de maneira soberba. A ideia é bastante básica. Não
vou contar o enredo para não estragar a experiência da leitura. Mas eu poderia
resumi-lo em um parágrafo curto. Agora o brilho está em como o autor expandiu
sua premissa.
Este
não é um romance de terror típico. O horror não se dá por uma montanha russa de
sustos baratos, e sim pelo o que há de repulsivo no comportamento humano. Outro
atrativo é a mistura de beleza e crueldade na biologia da própria natureza. O
aspecto científico é muito forte, o que às vezes pode cansar em descrições
técnicas, mas que não deixa de ser fascinante.
O
ritmo do romance também é outro. Há cenas de ação, mas são raras. Há muita
tensão. Tudo se dá num ritmo mais lento. Acima de tudo, o romance é um estudo de personagens. O que leva o
leitor a continuar virando as páginas é o desenvolvimento na jornada dos cincos
protagonistas. Os insights que cada um tem mostram que também crianças ou
pessoas mais brutas podem ser figuras complexas.
O
texto foi escrito na terceira pessoa no tempo presente. O que pode aborrecer no
início acaba sendo um recurso bastante justificável no contexto da trama.
Passa-se bem a sensação de urgência, precariedade e incerteza.
O
maior defeito do romance foi transformar a protagonista que representa a Ciência
com jeito de cientista louca, que só vai piorando sua conduta ética durante o
romance, terminando de forma quase caricata.
E
uma das maiores qualidades é seu desfecho: imprevisível, inteligente e
chocante.
A
Rocco está de parabéns pela edição bem cuidada. Revisão acima da média,
tipografia elegante e de fácil leitura, e papel amarelo de boa gramatura. A
capa segue a versão em inglês, sendo emborrachada, gostosa de pegar. A tradução
de Ryta Vinagre também está bastante competente.
Esse
romance não vai agradar apenas aos fãs de terror, mas a qualquer leitor
interessado em personagens muito bem desenvolvidos num mundo convincente e
aterrador, justamente porque mostra um cenário possível para um futuro próximo.
A
Menina que Tinha Dons, de M.R. Carey, 384 págs., Rocco (selo Fábrica 231)
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