sábado, 17 de maio de 2014

UM CORPO ESTRANHO NA LITERATURA BRASILEIRA


Para tristeza de seus leitores, Moacyr Scliar faleceu em 2011. Ele era um autor peculiar na literatura brasileira. Ele não se interessava muito pelo realismo, tão caro a tantos autores nacionais. O escritor gaúcho faz parte de um time em que a imaginação é o elemento mais importante da narrativa. Outros craques são Murilo Rubião, José Cândido de Carvalho e J.J. Veiga. Todos eles fazem uso do chamado “realismo mágico”. Aqui o dia-a-dia é invadido por acontecimentos estranhos, sempre colocando o ser humano à prova.

Em A Mulher que Escreveu a Bíblia, Scliar tece uma divertida reflexão sobre a condição da mulher. O mecanismo narrativo é simples e ao mesmo tempo engenhoso. Uma mulher nos dias atuais procura um especialista e faz uma regressão a uma vida passada. Volta-se no tempo, à época de um personagem da Bíblia, o rei Salomão, que teria governado no séc.X a.C.

Moacyr Scliar
O texto é delicioso pela força da protagonista, ora delicada e profunda, ora desbocada e irônica. O tom é coloquial, mas um coloquial dos dias de hoje. Soa estranho, mas é também curioso ouvir um personagem narrando acontecimentos ocorridos há três mil anos de forma tão ágil, com gírias e expressões atuais. É um recurso válido, pós-moderno, diriam alguns, mas que, acima de tudo, condiz com as intenções do autor. Afinal, ele nos fala sobre uma mulher do passado para, justamente, pensarmos sobre as mulheres do presente.

Pode-se dizer que o livro é feminino. Consegue captar bem a personalidade de uma mulher que precisa se fazer forte para superar sua fragilidade, o que a coloca em constante conflito com ela mesma. Ceder ou não ceder, eis a questão para ela. Ser mais submissa e ter uma vida mais confortável, ou ser mais aguerrida e procurar uma plena felicidade, que talvez nunca chegue?

O livro tem ótimo ritmo e nunca é chato. O autor nos reserva até uma trama de suspense na parte final. Agora, quanto ao final propriamente dito, Scliar deu uma escorregada feia. Um romance que se mostrou tão perspicaz em querer entender a mulher poderia ter terminado melhor. Leitores podem até acusar o autor de machista. Tirou um pouco do brilho de tudo que veio antes. 

A Mulher que Escreveu a Bíblia, de Moacyr Scliar, editora Cia das Letras

AVALIAÇÃO: MUITO BOM

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