sábado, 7 de junho de 2014

AUDITION: O LIVRO E O FILME


"Quem vê cara, não vê coração." Essa máxima é puro clichê. Mas acontece que, muitas vezes, a vida é isso mesmo, uma sequência de clichês, toscos e grotescos. Então quando um artista transforma o clichê em algo mais, ficamos, no mínimo, intrigados.

O escritor japonês Ryu Murakami (que não tem qualquer parentesco com o conterrâneo mais famoso Haruki Murakami) investe em sua literatura no que há de sombrio sob a superfície civilizada da sociedade. Ele se interessa em expor os monstros que nós mesmos criamos.

Em Audition, acompanhamos a estória de Aoyama, um tranquilo viúvo de meia-idade, dono de uma produtora de vídeo. Ele decide se casar pela segunda vez, incentivado pelo filho adolescente, Shige. Como ele não tem mais paciência para namorar, concorda em ser cúmplice do amigo Yoshikawa numa ideia maluca: entrevistar candidatas  à noiva por meio de uma seleção falsa para um filme. Depois de analisar pessoalmente vários perfis de mulheres, ele se encanta pela tímida e jovem, Yamasaki. Para Aoyama, ela é tudo que um homem como ele procura como segunda esposa: ela é bonita, elegante, comedida, delicada, inteligente... e ex-bailarina. O amigo Yoshikawa, um cara despachado e vivido, não gosta dela. Acha Yamasaki uma garota estranha. Mas Ayoama não quer saber, e mesmo contra sua própria intuição, decide entrar de cabeça num compromisso cheio de respeito e expectativa. A partir daí, sua vida na surperfície se torna um sonho, mas, sob esse verniz de normalidade, esconde-se um pesadelo cada vez mais aterrador à medida que a relação dos dois se aprofunda.
Ryu Murakami

É um livro curto, praticamente uma novela, com um prosa bem direta, em 3ª pessoa. O ponto de vista de Aoyama é dominante. É por meio de suas ações e pensamentos que sabemos como são os outros personagens, como é o mundo à sua volta. Então o que temos aqui é a visão do homem de meia-idade japonês. Apesar de sua retidão de caráter e até ternura, em relação às mulheres, Ayoama não pensa muito diferente do homem médio japonês, que possui uma relação mal resolvida com o sexo oposto. Homens de outras culturas acabam, muitas vezes, externando esse problema com violência, em discussões, espancamentos e mortes. Na cultura japonesa, em geral, o homem procura resolver isso  de maneira mais discreta, transformando a mulher em objeto, para dominá-la, secretamente.

Ryu Murakami transformou a traumática relação do homem japonês com as mulheres numa estória de terror com uma tensão crescente até o clímax chocante.

Já disseram que a personagem de Yamasaki é a maior escorregada do livro, por ser bidimensional demais para nos importarmos com ela.      

Em 1999, foi lançado um filme que virou cult. Ele é bom justamente por não ser tão fiel ao livro. A essência está lá. Mas pequenas mundanças tornaram a estória ainda mais assustadora. Também acompanhamos a trama pelos olhos da ora doce, ora macabra Yamasaki. O livro ganha no melhor desenvolvimento dos personagens ao redor de Ayoama, o filho, o amigo, a dona de um bar... O filme ganha em seu terceiro ato, que soube intensificar ainda mais uma sequência que já era perturbadora em papel.

Audition, de Ryu Murakami, 191 págs., W.W. Norton & Company. AVALIAÇÃO: BOM

Audition, de Takashi Miike, 1999, Basara Pictures. AVALIAÇÃO: BOM.

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