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A falta de um maior protagonismo de personagens negros na literatura brasileira foi algo que sempre
me incomodou. Há exemplos desse protagonismo desde o século 19, quando estereótipos eram reforçados, como nos romances naturalistas. Nas primeiras décadas do século 20, a obra do fundamental Lima Barreto criticou esses estereótipos com toda a força.
No século 20, ao
invés de a coisa evoluir, continuou praticamente no mesmo curso. Para cada João
Antônio, tínhamos 10 Jorge Amado. Não estou faltando com o respeito com meu
conterrâneo. Jorge Amado foi importantíssimo na minha formação como leitor e
escritor. Ele me mostrou que era possível fazer boa literatura de forma
simples, com energia, com alma. O grande problema de sua obra é que reduziu a
Bahia e as peculiaridades de nossa cultura a um mundo pitoresco demais. Sem uma
autocrítica desse mundo que realmente tocasse na ferida. Mesmo nos romances
políticos, a revolta dos personagens negros sempre ia até certo limite. Nos
livros de Lima Barreto, os personagens negros e mulatos passam desse limite e
pagam o preço, e toda a brutalidade e hipocrisia sociais são expostas.
O que
vimos na literatura brasileira no século 20 foi autores brancos mostrando como
protagonistas negros se comportam, com maior ou menor competência. Enquanto isso,
autores negros americanos, como James Baldwin, Richard Wright, Alice Walker e
Toni Morrison, colocavam fogo no mundo literário dos EUA. Então eu pergunto:
qual é o grande romance da literatura brasileira escrito por um autor negro no
século 20? Sem pensar muito: Triste Fim de Policárpio Quaresma, de Lima Barreto. E só. Se eu tirasse o termo "por um autor negro", rapidamente
lembraríamos de vários clássicos: Grande Sertão, Veredas; Vidas Secas; O Tempo
e o Vento e por aí vai. Todos de autores considerados brancos.
Minha ponta de
esperança é que autores negros, no século 21, estão tentando tirar esse nosso
atraso, no dente. Autores como Ana Maria Gonçalves e Jim Anotsu.
Sinto falta em
nossa literatura de romances policiais, fantasia, ficção-científica, chick lit
e obras experimentais com protagonistas negros. Mas não apenas numa mera
mudança de posição. E sim a representatividade com conteúdo. Colocar um
personagem negro apenas como o mais bonito, o mais inteligente e o mais capaz é
outra forma de racismo. Um personagem negro pode ser tudo isso, mas também deve
ter os seus demônios interiores, como qualquer pessoa.
Autores negros, escrevam
suas obras! Não estou dizendo aqui que autores brancos não podem escrever
estórias com personagens negros. Estou dizendo que o autor negro, mais do que
qualquer outro, sabe da urgência da representatividade em nossa literatura.
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