O deserto se
torna sombrio. As nuvens se fecham. Começa a chover forte. Os grossos pingos de
água fazem da areia lama.
Para proteger o
mapa, coloco-o de volta na garrafa de vidro.
Meus pés estão cobertos
de lama. Meus passos ficam pesados. Mas vou adiante, insisto, agora sei para
onde ir.
Tudo o que tenho
a fazer é esperar. Pelo momento certo.
O sinal são os
raios, cortando o céu, atingindo o solo.
Lá estão eles! À
minha frente, no horizonte, emitindo sua música assustadora.
Para ver melhor,
enxugo o rosto com a mão várias vezes. Não dou muita importância aos grossos
pingos de chuva me atingindo.
Os raios são tão
brancos. Sinto uma mistura de medo e prazer ao contemplá-los.
Entre os raios,
já posso vê-los, batendo suas enormes nadadeiras, lenta e graciosamente.
São bagres
gigantes, multicolores. As tonalidades mudam a todo momento.
Preciso seguir
as instruções do mapa.
Para montar nos bagres
gigantes, a pessoa tem de gritar muito, muito alto. Para chamar a atenção
deles. Fazê-los voar bem baixo.
Assim é possível
agarrar-me a um dos bagres e seguir meu caminho.
Uma carona
direto para A Montanha de Todos os Saberes, como indica o mapa.
Os bagres
gigantes estão se aproximando. Os raios estrondosos os acompanham.
Coloco a garrafa
na cintura, dentro da calça folgada.
Inspiro fundo,
encho os pulmões, fecho os olhos.
Nunca gritei com
tanta força. A chuva não me atrapalha. Eu continuo a gritar, a gritar, a
gritar.
Quando termino,
um acesso de tosses acaba comigo.
Deu certo. Os bagres
gigantes estão se aproximando, diminuem cada vez mais de altitude.
Agora tenho que
me concentrar. Não posso perder a chance de montar em um deles.
Mesmo eu todo
molhado, mesmo com suas escamas escorregadias, tenho de conseguir.
Eles vêm ao meu
encontro. Os raios fazem a terra tremer. É agora.
Agarro-me à nadadeira de um dos primeiros bagres gigantes. Com
dificuldade, monto nele. Faço de seus bigodes rédeas.
Ganhamos
altitude. Agora sou eu quem atinge a chuva. O som dos raios à minha volta é
ensurdecedor.
Agora meu
coração está acelerado por outro motivo. O medo deu lugar ao êxtase.
Seguro-me ao bagre
gigante com um pouco mais de destreza, de segurança.
O que me permite
curtir a viagem. Mesmo com a chuva me encharcando, e os raios explodindo.
A cena me faz
lembrar do dia em que eu e meu pai saímos de moto.
Numa manhã
ensolarada, meu pai apareceu em casa com a moto de um amigo.
Aproveitamos a
ausência de minha mãe para andarmos por estradas no litoral.
Fiquei na
garupa, agarrado à sua cintura. Como era gostoso sentir o vento forte no rosto,
o coração acelerar.
Foi nossa última
aventura antes de ele partir.
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