Agora estou numa
sala ampla com móveis luxuosos e antigos. Estou completamente seco. Nem sinal
dos bagres gigantes, da chuva, dos raios.
A garrafa de
vidro com o mapa sumiu da minha cintura. Será que cheguei ao meu destino?
Pelas janelas
altas, vejo uma noite de lua cheia. Parece não ter ninguém na casa.
Mas logo uma
sombra volumosa e disforme vem caminhando em minha direção.
Sob a luz, acaba
o mistério, mas não o espanto: é um palhaço corpulento, de cara branca e de
nariz e cabelo violeta.
Em silêncio, ele
levanta os ombros, mexe os braços e as mãos, faz uma careta me convidando a
entrar.
Ele segue o
caminho de volta. Eu vou logo atrás. Nos deparamos com uma robusta porta
fechada.
Antes de o
palhaço abri-la, ele sorri para mim de forma assustadora.
Atrás da porta,
há uma sala de jantar, onde outros palhaços nos esperam.
Todos estão de
pé, ao redor de uma mesa comprida e farta, com dez ou doze deles de cada lado.
Palhaços de
maquiagens, roupas e tamanhos diferentes me encarando. Tento disfarçar meu
medo.
O palhaço de
nariz e cabelo violeta aponta para a cadeira vazia da cabeceira.
Eu me sento. Os
outros palhaços fazem o mesmo. Meu anfitrião permanece de pé.
Os palhaços se
põem a comer, beber, conversar e rir. Eu apenas como e bebo, cauteloso,
observando tudo.
Eles parecem não
se importar com minha presença. Imaginei que eu fosse o convidado especial.
Olho para o lado
e vejo que o palhaço de nariz e cabelo violeta desapareceu.
Começo a pensar
em como sair dali, como posso continuar minha busca, e o que aquele lugar tem a
ver com ela.
Percebo que um
dos palhaços, de quando em quando, me encara, firme.
Sempre o encaro
de volta, hesitante.
Os outros
palhaços continuam a aproveitar o banquete.
O palhaço me
encara uma última vez, e levanta-se.
Os outros
palhaços parecem não se importar com sua ausência, como se fosse invisível.
O palhaço se
aproxima de uma porta lateral, e desaparece na escuridão de outro cômodo.
A porta fica
aberta.
Não quero saber
se é um convite ou não. Me levanto. Vou em direção à porta.
Os outros
palhaços também não dão a mínima.
O cômodo é tão
escuro que não tem como ver qual seu verdadeiro tamanho.
Deve ser enorme.
O palhaço está distante, sentado numa cadeira, no único ponto iluminado do
recinto. Ele está de costas para mim.
Vou ao seu
encontro.
Lembro de quando
meu pai me levou ao circo pela primeira vez.
Minha expectativa
era imensa. Nunca tinha visto animais selvagens de perto. Estava lá para ver
macacos, leões e elefantes.
Mas, para minha surpresa, acabei me encantando com uma
jovem trapezista. Acho que foi minha primeira paixão.
Estou mais perto do palhaço. Percebo que ele está
sentado numa cadeira modesta. Está imóvel, os braços arriados, as costas
relaxadas.
A fonte de luz são lampadazinhas fracas em volta do
espelho da mesa de pernas finas.
O palhaço começa a tirar a maquiagem. Sua verdadeira
pele se revela aos poucos. Ele me olha através do espelho.
São olhos tão familiares.
Um susto. É óbvio, imbecil.
Outro susto. Uma voz feminina me avisa: "Tempo
encerrado. Para continuar a sessão, renove seus créditos... ".
FIM
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